Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente..."
Disseram-me uma vez que a dor de uma pessoa que enfrenta uma perda importante passa por cinco fases distintas. A primeira delas, a negação: é impossível acreditar na perda. Ela definitivamente não ocorreu. “Isso não pode ter acontecido comigo!” A vítima do luto o nega com veemência. Evita, foge, se esconde, ignora ou tenta ignorar aquela dor lancinante. Porém, num dado momento, parece que se torna impraticável fingir que a perda não aconteceu. Ela está ali: tão presente, tão viva, tão imponente.
O sofredor passa a negociar com a perda e aí começa a segunda fase do luto: a barganha. Implora-se por um pouco mais de tempo, uma nova chance, quem sabe apenas mais um dia. Tudo o que se tem de mais valioso é oferecido, na tentativa de seduzir a perda a proporcionar-lhe mais uma oportunidade de viver a vida simplesmente como ela era antes de ser violentada. Só mais uma chance. Mas a perda egoísta e opressora não aceita nada. Na verdade, ela não precisa de mais nada. Ela possui a sua vítima por completo, agonizante na sua dor.
É nítido o poder da perda sobre sua vítima. E esta percebe a sua vulnerabilidade diante de tamanha tirania e arbitrariedade imposta pelo luto. O oprimido se vê diante da sua própria fraqueza e impotência. Nesse instante, fatalmente começa a terceira fase do luto: a raiva. Esse sentimento apossa e consome seu refém. Ele odeia o que lhe aconteceu. Abomina a amargura que sente, a novidade tão indesejada, essa visita malquista da morte de algo ou alguém que tanto amava. Ele maldiz todos os acontecimentos que a antecedem, culpando cada um deles pela perda imposta. Hostiliza o dia, ressente-se de ter se levantado da cama, sente uma ira que cega e imobiliza. Esse ódio vai lentamente desgastando a sua energia, lhe massacrando. Num momento o opresso cai cansado e se depara com a quarta fase da perda: a depressão.
Agora ele convive com o seu algoz, sabe que não adianta negociar com a perda porque ela já faz parte da sua vida e não pretende deixá-lo. Entende que nenhuma luta será capaz de mudar esse fato. Ele está diante de uma realidade imutável e se entrega definitivamente à sua dor. Vive dia a dia a miséria do luto. A morte é tão real que não é mais cabível viver sem a sua presença obscura.
Um dia o impotente escuta que a quinta fase da perda é a aceitação. Aprende-se a viver com a morte e a ausência daquele amor que outrora existiu, sem que isso cause tanta angústia, tanto pesar. Agora, já cansado e entregue, o dominado se pergunta, infelizmente descrente, mas ao mesmo tempo tão desejoso pela chegada dessa fase de paz: “será que serei capaz de aceitar?”